I CONGRESSO MISSIONÁRIO DIOCESANO

 

 Material de estudo - Dom Pedro Brito Guimarães

 

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AS IMANGENS DOS DISCÍPULOS MISSIONÁRIOS DE JESUS CRISTO

 

Dom Pedro Brito Guimarães - Arcebispo de Palmas

 

A missão hoje está na agenda da Igreja. Nunca se falou tanto em missão como ultimamente. Nunca fez tanta missão como aqui nestes últimos tempos. Nunca se rezou tanto pelas missões como se tem feito na Igreja. Nunca se dedicou tanto tempo à missão, derramou tanto suor e tantas lágrimas, e nem gastou tantas energias na missão como hoje. Nunca se amou, se apaixonou tanto pela missão como estamos amando e apaixonando. Nunca se doou e se entregou tanto à missão como estamos fazendo agora. Nunca andamos, dirigimos, formamos e nem visitamos tantas comunidades missionárias como ultimamente estamos fazendo. Nunca motivamos tanto à missão como estamos fazendo agora. Por que?

Porque a nossa terra é terra de missão: a vida é missão! A Igreja é missão! E todos nós somos missionários! A missão não tem fronteiras. A missão é dinâmica, deixa marcas indeléveis: nos deixa inquieto, desinstalado, arrancado do comodismo, do estancamento e da tibieza (DA 362). A missão é contagiante: ela nos faz apaixonados e entusiasmados pelo Reino de Vida. Dar sentido missionário à vida e à Igreja é o maior desafio que estamos enfrentando neste momento histórico.           Por que? Porque Pentecostes continua!Verdadeiramente o Espírito Santo está em ação na nossa Igreja. Como escreveu um teólogo oriental: “Sem o Espírito Santo, Deus fica longe, Cristo permanece no passado, o Evangelho é letra morta, a Igreja uma simples organização, a autoridade é domínio, a missão é propaganda, o culto simples lembrança e o agir cristão é uma moral de escravos. Mas com o Espírito Santo o mundo aguarda o Reino, o homem luta contra o mal, o Cristo ressuscitado está presente, o Evangelho é potência vital, a Igreja manifesta a comunhão trinitária, a missão é Pentecostes, a autoridade é serviço, o agir humano é divinizado”. O papa Bento XVI disse quase a mesma coisa: "Sem o Espírito Santo, a Igreja estaria reduzida a uma organização meramente humana, esmagada pelas suas próprias estruturas. Mas por outro lado, nas palavras de Deus, o Espírito Santo serve-se habitualmente da mediação humana para agir na história. Que a comunidade eclesial possa permanecer sempre aberta e dócil à ação do Espírito Santo, para ser, entre os homens, sinal credível e instrumento eficaz da ação de Deus".  Então, o que seria do mundo sem missão? Da vida sem missão? Da Igreja sem missão? O que seria das nossas comunidades sem missão? O que seria dos missionários sem missão? O que seria de nós sem missão? Sem missão a Igreja seria “corpo sem alma, terra sem água, água sem terra, céu sem estrelas, dia sem sol, sol sem calor...”

“Com os olhos fixos no autor e consumador da nossa fé, Jesus” (Hb 12,2), desejo recordar as expressivas palavras de Paulo VII, ao presidir uma sessão do Concílio Vaticano II: “Cristo! Cristo, nossa vida e nosso guia. Cristo, nossa esperança e nosso fim (...) Que não desça sobre esta Assembléia outra luz, a não ser a luz de Cristo, luz do mundo. Que nenhuma outra verdade atraia a nossa mente, fora das palavras do Senhor, único Mestre. Que não tenhamos outra inspiração, que não seja o desejo que lhe sermos absolutamente fiéis. Que nenhuma outra esperança nos sustente, a não ser aquela que, mediante a sua palavra, conforta a nossa debilidade...”

Como dizia Martin Luther King: “sim, tenho um sonho!”Quais são os nossos sonhos?Como o Pai me enviou, assim também eu vos envio” (Jo 20,21). Sigam-me (Jo 21,19). Afinal, é missão! Amém!

Jesus para compor a imagem do discípulo missionário usou da criatividade e o definiu com basicamente três figuras: “pescadores de homens”, “pastores” e “trabalhadores da vinha”. Antes de qualquer outra interpretação é importante saber que estas imagens, acima apresentadas, são a auto-imagem do próprio Jesus: 1) Jesus é peixe. O termo “peixe” é uma transliteração do nome Jesus: “Ichtús”:I: Jesus; Ch: Cristo; Th: Deus; Y:Filho; S: Salvador (o peixe: pescador). 2) Jesus é “Pastor” (pastoreio). 3) Jesus é a “Videira” (o trabalhador da vinha). Os seus discípulos missionários são a sua auto-impressão, sua auto-imagem e sua configuração. Por isso, os discípulos missionários são cristofanias (falam de Cristo). Antes, porém, de adentrar propriamente no estudo dessas configurações, vamos parar um instantezinho e fazer uma Leitura Orante de um dia missionário de Jesus.

 

Uma pedra e outra pedra, um tijolo e outro tijolo construiremos a casa do Senhor, construiremos a casa do Senhor. Uma pedra e outra pedra, um tijolo e outro tijolo construiremos a casa de um irmão, construiremos a casa de um irmão.

1. As aves fazem ninho e tem espaço pra morar. Raposas fazem toca e tem espaço para morar. Mas o Filho do homem dormiu ao relento, debaixo da ponte, da chuva e do vento. Mas o Filho do homem dormiu ao relento, debaixo da ponte, da chuva e do vento.

2. As aves têm um lar aonde criam passarinhos. Raposas têm um lar aonde criam filhotinhos. Mas o Filho do homem dormiu ao relento, debaixo da ponte, da chuva e do vento. Mas o Filho do homem dormiu ao relento, debaixo da ponte, da chuva e do vento(Pe. Zezinho).

 

  1. O DISCÍPULO MISSIONÁRIO DE JESUS É “PESCADOR DE HOMENS” (Mc 1,16-20)

 

Mc,1,16-20:Caminhando à beira do mar da Galiléia, Jesus viu Simão e o irmão deste, André, lançando as redes ao mar, pois eram pescadores. Então disse-lhes: “Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens”. E eles, imediatamente, deixaram as redes e o seguiram. Prosseguindo um pouco adiante, viu também Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão, João, consertando as redes no barco. Imediatamente, Jesus os chamou. E eles, deixando o pai Zebedeu no barco com os empregados, puseram-se a seguir Jesus”.

 

1. Deus abençoe os lixeiros e as varredeiras e os operários que sujam as mãos,

e o limpador de bueiros e as lavadeiras e quem se suja de graça e sabão.

Trabalhadores, trabalhadoras, Deus também é trabalhador!

2. Deus abençoe os banqueiros e os fazendeiros e os comerciantes e os industriais,

e os iluminem também, pra que não explorem nem especulem, nem ganhem demais!

3. Deus abençoe os artistas e educadores e os sonhadores do lado de lá,

e os iluminem também, pra que não se esqueçam que tem criança do lado de cá!

4. Deus abençoe os profetas e os religiosos que gostam muito de profetizar,

e os iluminem também, para que não imaginem que só seu grupinho é que vai se salvar!(Padre Zezinho)

 

Estamos num contexto “marítimo”. Melhor dizendo, no contexto de lago. Por isso se fala de barcos, pescadores, redes, peixes. Aliás, o lago de Tiberíades ou de Genesaré é chamado de mar indevidamente, pela sua densidade e configuração, mas na verdade não é um mar, e sim um lago. Dizem que este lago está numa região mais baixa e mais fértil do mundo. Vejamos, em imagem, a região em que se encontra o lago de Tiberíades (em homenagem a Tibério Cesar, imperador romano).

A expressão “pescadores de homens” foi criada por Jesus no contexto da convocação dos primeiros discípulos, chamados em duplas: Simão e André, Tiago e João. Jesus tem o poder de fazê-los pescar homens. No entanto, pescar é uma expressão usada fora da Bíblia, por filósofos e sábios. Jesus constrói a imagem do discípulo missionário como “pescador de homens”, a partir do trabalho de pescaria conhecido pelos seus interlocutores. Pescar era um ofício antigo, conhecido nesta região de Israel. Apesar disso, havia leis que proibiam a pesca (Lv 11,9-12; Dt 14,9-10. Pescar é um ato de conquista. Capturar peixe, tirando-o do seu habitat natural, a água, como de resto é toda ação que se relaciona com o ato de comer, é um ato de violência. Comer significa que a vida não nos pertence, está fora de nós. Nós, a pegamos, matamo-na, e a colocamos dentro de nós para que tenhamos vida. O peixe reage violentamente às iscas anzóis e às redes e aos enganchos. Além do mais, no pensamento bíblico o mar era símbolo do mal, lugar mitológico onde habitavam os monstros poderosos e os espíritos impuros que lutam contra o desígnio de Deus e o bem-estar dos seres humanos.O ato de conversão é também um ato violento. Por isso é chamado por Jesus de pescar: “pescar homens” é tirá-los do mar, lugar da morte e fazê-los entrar no reino de vida. “Pescar homens” neste mar é lutar contra o pecado; é libertar o ser humano de tudo o que impede de se realizar como pessoa humana feliz.

Pescador é a imagem do discípulo missionário. A condição para pescar é ser discípulo. Pescar homem é evangelizar, um trabalho missionário. O pescador trabalha todos os dias. Vai ao alto mar. Sabe que o mar é traiçoeiro. Não se preocupa com os resultados. O verbo “fazer” aqui tem um significado vocacional e missionário. A missão de pescador é semelhante à missão do pastor e do vinhanteiro. Jesus desenvolve o seu ministério itinerante a partir de Nazaré- da Gailéia para a Judéia, da Judéia para a Galiléia-, onde traçou o programa de sua missão evangelizadora, seguindo o caminho, e passando por Cafarnaum, o Mestre chega à beira do lago de Genesaré. Ele está acompanhado pela “multidão que se comprimia ao redor dele para ouvir a Palavra de Deus” (Lc 5,1), e prega a esta multidão, à beira do lago da Galiléia. O povo, sedento, se comprime em torno da pessoa de Jesus. Ele é o Mestre que anuncia com autoridade a Palavra de Deus que atrai, desperta e fascina. Este modo de Jesus fazer missão, chamar discípulos e discípulas, encontra-se em todos os Evangelhos. O Mestre não espera, mas vai lá onde as pessoas se encontram. À beira do lago de Genesaré, chama os pescadores. Junto ao poço de Jacó, dialoga com a samaritana (Jo 4,4-41). Na entrada de Jericó, conversa com o cego (Mc 10,46-52). Atravessando a cidade, chama Zaqueu (Lc 19,1-10). Nesta atitude do Mestre percebe-se também a sua vontade de convocar pessoas diferentes para segui-lo de diversas maneiras. De fato, umas passam a acompanhá-lo de perto (3,13-19), outras vão encontrá-lo de vez em quando (Jo 3,1-21). A grande maioria permanece em suas casas, seguindo a sua Palavra (Lc 10,38-42). Todas, porém, fazem parte da grande família de Jesus (Mc 3,31-35). Diferente de outros mestres de sua época, Jesus ensina com autoridade e com um jeito muito original. Vive de forma itinerante, ensina a multidão, escolhe os seus discípulos, os quais serão gradualmente inseridos na missão de testemunhar e anunciar o Reino de Deus (Lc 10,1-20). Estes discípulos, mais tarde, proclamarão o Evangelho “em Jerusalém, por toda a Judéia e Samaria, até os confins da terra” (At 1,8).

      Percebe-se em Jesus o desejo de uma comunicação direta, de uma linguagem simples e inculturada à realidade do povo. A expressão “pescadores de homens” é facilmente compreendida por Pedro e seus companheiros. O jeito de Jesus chamar é livre, espontâneo, criativo e sensível às reais necessidades das pessoas. Mas a barca, aqui neste contexto, simboliza também o lugar concreto onde a vida acontece. Ela era o meio de sobrevivência para aqueles homens e suas famílias. Para o serviço de animação missionária tal simbologia tem um significado muito profundo. Fala antes de tudo da necessidade de se fazer uma animação missionária inculturada (SD, 80). A inculturação, por sua vez, supõe a coragem de ir até “à beira do lago”, ou seja, lá onde os futuros missionários estão vivendo, para participar de suas alegrias e de suas frustrações.

      As atitudes de Pedro, de Tiago e de João manifestam a disponibilidade para seguir Jesus (Mc 1, 18.20). Pode-se dizer, que eles nunca deixaram de ser pescadores. Eles terão novas redes e barcas que, simbolicamente, representam a Igreja e a sua missão evangelizadora. Pedro e seus companheiros não deixam o trabalho no lago de Genesaré movidos apenas pelo entusiasmo despertado pela pesca milagrosa. Eles já tinham sido visitados por Jesus em Cafarnaum. Os pescadores, após vários encontros e convivência com Jesus, receberam e acolheram a proposta de “capturarem” pessoas para a vida. Acolhendo a palavra de Jesus, Pedro e seus companheiros inauguram uma nova fase da vida e começam a formar o embrião do novo povo de Deus. Povo que será guiado pelo Espírito e liderado por esses pescadores. Propondo aos pescadores uma nova missão, Jesus manifesta a necessidade de pessoas que estejam dispostas a deixar tudo para assumir a causa do Reino. Ao dizer que os pescadores abandonaram as barcas, “deixaram tudo e seguiram Jesus”, o evangelista chama a atenção para um outro elemento importante. O seguimento de Jesus comporta determinadas rupturas tantas vezes radicais (Lc 18,18-27). Sem elas é praticamente impossível viver como discípulos do Mestre. Deixar as barcas, para Pedro e seus companheiros, significava deixar tudo, inclusive o estabelecido, o rotineiro, o costumeiro, mas também o mais agradável e o mais seguro. A resposta à vocação, tantas vezes, vai exigir esta coragem. Do mesmo modo, a animação missionária, se quiser ser evangélica e eficaz em nossos dias, terá que ter a audácia de romper com os preconceitos, com a rotina e com certos programas previamente projetados, para trilhar por caminhos que o Senhor deseja que passemos. Só quando se “deixa tudo” consegue-se avançar no seguimento de Jesus. Mas será que poucos são capazes de deixar os seus “afazeres” para seguir Jesus, na condição de discípulos missionários? 

Concluindo: Estamos vivendo a época das redes: redes de computadores, de internet, de internautas, de supermercados, de lojas, de hotéis e motéis, de influência, de iniquidade, de traficantes, de drogas, de tráficos de órgãos humanos, de terrorismos, de corrupção, mas também de dormir e descansar, de comunidades, de amizade, de fraternidade, de solidariedade... Ter rede é fundamental para poder laçar-se ao mar, para pescar. Mas em redes estamos sendo pescado ou com que redes estamos pescando? Na rede de Jesus ou nas redes do mundo? Em que lugar? Em que águas? Com que tipo de redes? Que tipos de peixe? Com que tipo de pescadores?

      A meditação desta página de Marcos abre novos horizontes para os animadores e animadoras missionários. Fica claro, que o jeito de Jesus chamar os pescadores no lago de Genesaré, questiona o serviço de muitos animadores missionários “pescadores”, os quais chamam sem antes evangelizar, sem conhecer as famílias dos vocacionados, sem aproximar-se da realidade onde eles vivem. Questiona certo tipo de animação missionária que não respeita a especificidade de cada pessoa, tratando todos do mesmo jeito, sem levar em conta as diferenças culturais e a diversidade de vocações e ministérios que o Espírito, na sua liberdade (cf. 1Cor 12,4-11), deseja suscitar no meio do Povo de Deus, conforme as necessidades do mundo e da Igreja. O estilo original de Jesus chamar pescadores para o Reino permanece como referencial para a animação missionária. Hoje, os pescadores são todas as pessoas batizadas, vocacionadas a chamar, a evangelizar, a proteger, a estimar e a amar o dom da vocação de cada ser humano. Por isso, urge, também aqui, “avançar para águas mais profundas”, fazendo com que a animação missionária tenha um “rosto verdadeiramente eclesial, desenvolvendo uma ação concorde, servindo-se também de organismos específicos e de adequados instrumentos de comunhão e de co-responsabilidade” (PDV, 41).

      Deus concede que a pequenina e negra Imagem de nossa Senhora Aparecida fosse tirada do rio Paraíba pelas redes de pescadores.

 

  1. O DISCÍPULO MISSIONÁRIO DE JESUS É PASTOR DAS “OVELHAS SEM PASTOR” (Mc 6,33-34)

 

Mc 6, 33-34:“Muitos os viram partir e perceberam a intenção; saíram então de todas as cidades e, a pé, correram à frente e chegaram lá antes deles. Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão e encheu-se de compaixão por eles, porque eram como ovelhas que não têm pastor. E começou, então, a ensinar-lhes muitas coisas”.

 O Senhor é meu Pastor, meu Pastor, meu Pastor. O Senhor é meu Pastor, meu Pastor é o Senhor(Frei Luis Turra).

 Jesus é realmente o bom pastor de seu povo (Jo 10,11). As características mais marcantes do seu pastoreio são o respeito, a acolhida e a primazia dada à pessoa, a compaixão e o seu espírito de serviço. A metáfora “pastor” que Jesus usa para definir a sua e a missão dos seus discípulos é retirada das culturas rurais, agrícolas e nômades (Dt 26,5). Pastores e ovelhas eram tão familiares do mundo antigo que se tornaram metáforas para os escritores bíblicos. Escritores do Primeiro Testamento também fizeram uso efetivo da bem conhecida disposição das ovelhas para se desgarrarem. De nossos caminhos pecaminosos Isaías escreveu: “Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas” (Is 53,6) e o mais longo dos salmos termina com este queixoso apelo: “Ando errante como ovelha desgarrada; procura o teu servo, pois não me esqueço dos teus mandamentos” (Sl 119,176).O terno cuidado dos pastores com suas ovelhas levaram Davi e seus companheiros salmistas a falar do Senhor como o pastor de Israel (Sl 23; 80,1), e de Israel como“as ovelhas do teu pasto”(Sl 100,3; 95,7; 79,13; 78,52).Os profetas também, em suas visões messiânicas, viram Deus de modo semelhante: “Como um pastor apascentará o seu rebanho; entre os seus braços recolherá os cordeirinhos, e os levará no seio; as que amamentam, ele guiará mansamente” (Is 40,11); “Eu mesmo apascentarei as minhas ovelhas, e as farei repousar, diz o Senhor Deus. A perdida buscarei, a desgarrada tornarei a trazer, a quebrada ligarei e a enferma fortalecerei...” (Ez 34,15-16).

As tarefas principais dos pastores era reunir, cuidar, vigiar e proteger a vida das ovelhas. Com vimos, acima, como profetas, sábios e salmistas repropõem a relação entre pastor e ovelhas como temas de missão e de oração de Israel. A compreensão disso era de fácil assimilação: Deus é o pastor e Israel é a ovelha. Mas a sua aplicação não era tão fácil assim. Cuidar de ovelhas nunca foi e nem será um trabalho fácil, mas pesado e estressante. Um pastor devia cuidar de até cem ovelhas (Lc 15,4). Apesar de ser muito idealizada a figura do pastor era também uma imagem estigmatizada. Temos vários exemplos de imagens negativas do pastor: ladrão, trapaceiro, invasor de propriedade alheia, de maus-tratos das ovelhas e do descuido da própria família: “ninguém deve ensinar a seu filho a atividade de cuidar de mula ou de camelo ou de barbeiro ou de marinheiro ou de pastor ou de construtor de tendas, porque suas profissões são como profissões de ladrões”. Jesus mesmo chama os que vieram antes dele de ladrões e assaltantes (Jo 10,8).

O contexto do texto de Mc 6,33-34 é praticamente o mesmo dos textos anteriores: Jesus sai da barca e vê em que situação se encontra o povo que o procura. Além disso, o texto está contextualizado entre dois banquetes: o da morte (MC 6,14-29) e o da vida (Mc 6,35-44). Esta contextualização é importante para se entender o sentido da missão dada por Jesus. Jesus, de forma sumária, resume a situação sócio-religiosa de sue tempo de: “ovelhas sem pastor”. A sequencia do texto é lógica: vê e sente compaixão, ensina e reparte o pão. Somente quem assim vê, sente compaixão, como a dizer que a missão do discípulo é ver, ter compaixão, ensina e dar de comer. Dar o pão da palavra (o ensinamento da sabedoria divina) e o pão do alimento (pães e peixes – eucaristia) é pastorear, afinal não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que saída boca de Deus. O ensinamento, a sabedoria divina, a “formação” (DA: 84 vezes) são uma espécie de pão, tanto quanto o pão é uma espécie de ensinamento. Os dois juntos formam o magistério integral da compaixão e da caridade pastoral.

Ser ovelhas sem pastor é estar sem ensinamento e sem pão. E quem assim está é objeto da compaixão do pastor-discípulo-missionário de Jesus. Para passar pelo novo êxodo, primeiro se dá o ensinamento, e junto com ele, o pão. Jesus é o pastor que ensina e multiplica os pães, cujo conteúdo é o “reino de vida” (cf. DA). “O missionário... se inspira na própria caridade de Cristo, feita de atenção, de ternura, compaixão, acolhimento, disponibilidade e empenho pelos problemas da gente” (RM 89).

O prato preferido dos lobos é ovelha (Mt 16,16). Às vezes, olhando para o povo de Deus, temos a mesma sensação de Jesus quando olhou para aquela multidão que o seguia e comparou-a a ovelhas sem pastor. Para Ele aquele povo precisava de alguém que os acompanhasse todos os dias, que os fizesse crescer individualmente, que os conhecesse pessoalmente, vendo suas limitações, suas fraquezas, suas necessidades. Aquele povo precisava de alguém que caminhasse com ele assim como as ovelhas precisam de um pastor. Aquele povo precisava de um pastor que soubesse cuidar, ensinar, ajudar a cada um deles, assim como Jesus fez com seus doze apóstolos. Precisava de pastores que não conduzissem as pessoas para si próprios, mas para Deus, para os caminhos do Senhor e do Evangelho.Sentimos o mesmo hoje em dia. Vemos uma grande multidão de pessoas que se assemelha a um rebanho sem pastor, porque há poucos coordenadores de grupos, líderes, sacerdotes, discípulos-missionários dispostos a darem verdadeiramente suas vidas pelas suas ovelhas. A Igreja está carente de pessoas que gastem seu suor, que invistam seu tempo, suas orações, suas lágrimas e até mesmo o seu sangue pelas ovelhas que o Senhor lhes confia.

Quando Jesus falou do Bom Pastor Ele disse que o bom pastor é aquele que dá a vida pelas suas ovelhas. E deu, Ele próprio, o exemplo. Deu a sua própria vida por nós. Derramou até a última gota de seu sangue pelas suas ovelhas.Mas, dar a vida não é somente "morrer". Dar a vida é dar tudo o que se possui, é dar o seu dia-a-dia, é dar as suas energias, os seus pensamentos, as suas orações, o seu cuidado, o seu zelo por aquele que Deus lhe confiou, como se fosse o próprio Jesus. É levá-los aos caminhos do Senhor e ajudá-los a caminhar nesta direção. É pegar a ovelha desgarrada, magra, ferida, suja, como muitos irmãos que chegam ao nosso grupo e cuidar delas.Jesus pregou para multidões, fez milagres e realizou prodígios, porém seu trabalho mais importante foi tomar doze homens, acompanhá-los, formá-los, fazê-los crescer, fazê-los discípulos.

Quando vemos hoje o mesmo quadro de abandono das ovelhas, lembramos do texto em que diz que Jesus, "vendo as multidões, compadeceu-se delas, porque andavam desgarradas e errantes como ovelhas que não têm pastor". Ovelhas são animais mansos, sem garras ou chifres, incapazes de se defender. Morrem mansamente nos dentes dos lobos. E dizem que nem mesmo bailam. Morrem silenciosamente. Essa é a razão por que é preciso que haja pastores que as protejam. O pastor traz na mão o cajado, arma para a defesa do seu rebanho. E quando tudo está tranquilo, as ovelhas pastando, os lobos mantidos à distância pelo pastor, ele pode se dedicar a tocar a sua flauta. "Ainda quando eu andar pelo vale onde a morte está à espreita, não temerei mal algum; a tua vara e o teu cajado me defendem e consolam..." (Sl 23). Um dos corais mais lindos de Bach descreve essa cena: "Mansamente pastam as ovelhas..."

Ah! Que imagem linda! Seria bom que fosse assim! Os homens, as mulheres, os velhos, a crianças - todo mundo "pastando" pelas ruas da cidade nas noites frescas, sem medo... Que mais poderíamos desejar? A vida pode ser assim, se não houver medo.E é para isso que pastor existe: para que não haja medo. A ausência do medo é o pré-requisito para a vida boa a que estamos destinados. Isso mesmo! Nisso os místicos, os poetas e a psicanálise estão de acordo: o coração está em busca de um mundo que possa ser amado. Nas palavras de Bachelard: "o universo tem, para além de todas as misérias, um destino de felicidade". Mas essa imagem de felicidade que dava sentido à nossa vida comum se transformou numa bolha de sabão. Os poetas insistem em acreditar, continuam soprado e falando de esperança - mas tão logo se formam, as bolhas flutuam no ar e arrebentam.

No tempo em que havia pastores, os lobos eram trancados em jaulas e as ovelhas pastavam soltas, mansamente. Agora, sem pastores, as ovelhas se trancam, em jaulas, e os lobos caminham soltos, tranquilamente. O medo nos leva a nos encerrarmos em jaulas. Não nos atrevemos a andar pelas ruas, pelos parques, pelos jardins, pelas praças. Abandonados, deixaram de ser nossa propriedade. Tornaram-se habitação dos lobos que neles ficam à espreita. E eu me pergunto: de que valem todas as coisas boas que possam produzir numa sociedade se estamos todos, todo o tempo, condenados ao medo?

Com esta simples ilustração Jesus levantou uma questão implícita com seus detratores: como poderiam eles ter tal compaixão por uma ovelha e tratar os homens com tal arrogante e egoísta dureza. Eles não somente não tinham buscado o pecador perdido, mas não se regozijariam com sua recuperação. E com isto eles tinham mostrado dramaticamente como sua própria disposição diferia da divina. Enquanto Deus se regozija, eles amuam. Enquanto o céu perdoa, eles cospem seu desprezo. Enquanto o bom Pastor busca recuperar o rebanho espalhado, eles vivem para devastá-lo. É um quadro sombrio.

Pastores sem ovelhas é uma categoria de pessoas que podemos encontrar facilmente nos dias de hoje. Em primeiro lugar, não possuem rebanho. Não participaram do processo da gestação das ovelhas, do nascimento, das enfermidades. Não as conduziram às águas tranquilas, nem as fizeram repousar em pastos verdejantes. Sobrevivem do pastoreio assalariado do rebanho gerado por outros. Muitas vezes ao invés de comprar o rebanho com suas próprias vidas, preferem roubar ovelhas dos pastos vizinhos. Instalam-se nas redondezas e oferecem um pasto melhor, uma água mais fresca, um “sal” mais grosso. Ao invés de acompanharem as ovelhas no rodízio dos pastos (importante técnica aplicada na pecuária extensiva), inventaram um sistema de rodízio de rebanho.

 

  1. O DISCÍPULO MISSIONÁRIO DE JESUS É “TRABALHADOR DA VINHA”

 Mt, 9,36-38:“Ao ver as multidões, Jesus encheu-se de compaixão por elas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor. Então disse aos discípulos: “A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi, pois, ao Senhor da colheita que envie trabalhadores para sua colheita!”

 Ide para a vinha, meu povo escolhido!

Na luz de um novo dia, vós sois os meus amigos!

  1. Celebrai nos caminhos desta vida a memória da eterna liberdade:

Onde houver uma face oprimida, vós sereis a minha eterna claridade!

  1. Sois da Igreja o corpo ressurgido, a serviço da vida e da esperança:

Proclamai a vitória do meu Filho, que do mundo é o prêmio e a herança!

  1. Quem se faz servidor da Aliança se alegra com as coisas pequeninas:

Descobriu, qual olhar de uma criança, o caminho para a fonte cristalina!

  1. O meu Reino em vós se faz presente e revela o raiar de um mundo novo!

Cultivai com carinho as sementes que darão, dos frutos, vinho saboroso!

  1. Ide todos pelas praças desta vida, convocar e animar as multidões.

Hoje a Igreja, minha vinha, é quem convida: com amor, cultivai as vocações!(L: Frei José Moacyr Cadenassi, M: Dom Pedro Brito Guimarães)

            O papa, Bento XVI, aose apresentar, pela primeira vez aos fiéis, concentrados na Praça de São Pedro, no Vaticano, assim se auto-definiu como "um humilde trabalhador da vinha do Senhor": "Queridos irmãos e irmãs, depois do grande Papa João Paulo II, os cardeais elegeram-me - um simples e humilde trabalhador da vinha do Senhor". Consola-me o fato do Senhor trabalhar e agir mesmo com instrumentos insuficientes e acima de tudo entrego-me às vossas orações".

Depois destas sábias palavras do papa, acho que ninguém na igreja pode ter outra pretensão do que querer ser operários da vinha do senhor, ao menos que não queira ser mais do que o papa. Se o próprio Jesus era trabalhador da vinha, o que somos nós?

A Palestina, no tempo de Jesus, era chamada de “meia lua fértil”. Conforme mostramos, a própria Igreja é definida por meio de imagens, todas tiradas desse tipo de mundo. Desde o início da história da humanidade, Deus chama pessoas para trabalharem para Ele, a fim de que seu projeto se cumpra. Deus não faz acepção de pessoas e convoca, indiscriminadamente homens, mulheres, jovens, crianças, adolescentes, ricos, pobres, doutores ou pessoas quase sem instrução. Enfim, Deus conta com pessoas para que a sua obra se cumpra aqui na terra. Ele é o proprietário da vinha que sai em diferentes horas do dia, procurando trabalhadores.

            Jesus disse que a seara é muito grande, mas há poucos trabalhadores. Por isso pede que oremos e nos empenhemos para que mais pessoas aceitem o convite para trabalhar pra Deus. E creia: Vale a pena aceitar essa “proposta de emprego”. Ele é o melhor patrão que alguém pode ter. Jesus cria uma nova imagem com a qual designa a vocação e a missão do discípulo missionário: “trabalhador”, “diarista”, “vinhateiro”. Trata-se de uma imagem que tem um parentesco próximo das imagens do pastor e do pescador. Esta nova expressão, tirada do mundo agrário, pré-industrial, bastante conhecida no tempo de Jesus, não está em desacordo com as imagens modernas e tão propagandas do agronegócio do mundo pós-industrial, sobretudo na guerra das produções do etanol e dos biocombustíveis.

No tempo de Jesus, como hoje, as pessoas andavam abatidas e jogadas no chão, como ovelhas sem pastor. A visão e o seu sentimento que animam a compaixão do pastoreio de Jesus, como no tema anterior, o anima a criar a simbologia do discípulo como vinhateiro do reino da vida. O vinhateiro do reino, como o pescador de homens e o pastor de ovelhas sem pastor, são chamados por Jesus para ensinar, expulsar os demônios e a curar os doentes. São chamados a preparar a festa da colheita do reino. Com três verbos Jesus define a sua e a nossa missão: ensinar, anunciar e curar. É interessante notar como a missão dos trabalhadores da vinha é a mesma: ensinar, anunciar e curar[1]. Este tipo de atividade só se faz bem com a oração por mais vinhateiros. A messe era grande e os operários eram poucos. Cabia aos trabalhadores da vinha, aos vinhateiros ou diaristas a missão de reanimá-las e pastoreá-las.

            Portanto, se você tem está “na praça”, ou seja, ainda não está empregado no Reino de Deus há lugar para você também na vinha de Jesus e da Igreja. A Bíblia traz promessas para crianças, jovens e velhos. Veja, por exemplo, o texto de Joel 2,28: “E depois disto derramarei do meu Espírito sobre todos os povos. Os seus filhos e as suas filhas profetizarão, os velhos terão sonhos, os jovensterão visões”. Veja também a promessa do Salmo 92 para aqueles que já são mais idosos: “Mesmo na velhice darão frutos, permanecerão viçosos e verdejantes, para proclamar que o Senhor é justo”.

Neste texto de Marcos, bem como em outras passagens evangélicas, Jesus se exprime por meio de parábolas, cujo conteúdo é tomado do mundo que o rodeia. Nelas o Divino Mestre refere-se, muitas vezes, ao trabalho do campo. Assim acontece, no texto da parábola dos trabalhadores da vinha. Cristo por meio de exemplos colhidos do mundo criado e de fatos conhecidos de seus ouvintes, os introduzem na realidade supra-sensível e invisível do Reino de Deus.

Neste texto, como de resto nos dois outros textos que estudamos Jesus faz elogio e exalta a figura do homem/mulher que trabalha. Esta é na verdade a chave essencial para a interpretação e solução dos nossos problemas pastorais. O Reino de Deus é um lugar de trabalho. Quando somos chamados para o Reino de Deus, somos chamados para o trabalho. Aliás, sempre que Deus chama alguém, Ele o faz para dar uma missão para essa pessoa. A entrada no Reino é pela graça, mediante a fé em Jesus. Mas o Reino é um lugar de trabalho. Jesus não queira apenas usufruir os benefícios do Reino sem se envolver, sem trabalhar. A recompensa virá, certamente, mas virá para aqueles queverdadeiramente se envolverem na obra.Uma das promessas que mais aguardamos é a promessa da volta de Jesus. Ele prometeu e um dia vai voltar. Os diferentes horários dessa parábola também podem ser entendidos como diferentes épocas da história da igreja. Em todas elas, Deus convocou pessoas pra trabalharem pra Ele.Creia: A recompensa também virá! Mas não para todos. Só para os trabalhadores da sua vinha. Seja um deles!

 

 


[1] O Projeto de Evangelização da Diocese de São Raimundo tem quase que exatamente o mesmo título: Pentecostes continua. São Raimundo escuta, segue a anuncia.